Terminei de Ler Luz e Sombra

Terminei de Ler Luz e Sombra 
Autor: Anaté Merger
Páginas: 274
Editora: Bezz - Leque Rosa
"Virgílio é um engenheiro carioca, entediado, taciturno, que nunca amou ninguém e tem na restauração das antigas fazendas de café a sua única paixão.

Ao estar prestes a adquirir mais um imóvel para ser restaurado, ele se depara com um quadro cuja figura, até então sem nome, lhe assombrava os sonhos : Olympia, filha de um barão, em um quadro do século XIX. O olhar azulado da moça o atrai de uma maneira obsessiva e aos poucos ele se envolve numa trama cada vez mais absurda, com joias misteriosas e uma inusitada carta.

Ao tentar descobrir o que as linhas amareladas escondem, Virgílio se encontra em um emaranhado de artimanhas e chantagens, amor e ódio, onde o ontem e o amanhã se confundem durante um cruzeiro pelo Atlântico no ano de 1873 e o poder da luz sobre as sombras surge nos lugares, nas pessoas e nas atitudes mais improváveis."

Pode conter alguns spoilers

Mais do que um romance com viajem no tempo, uma aula sobre a importância de preservar a nossa história e cultura passadas e uma história sobre preconceitos!
Virgílio namora Carla, mas o coração dele é de outra, ele está perdidamente apaixonado por uma moça que não sabe o nome e nem conhece, a ‘Fantasma do Retrato’, ele só conhece elas por causa de um sonho que começou a ter com a jovem.
No começo da relação dele e Carla, ele até gostava dela, mas algo mudou nele depois de um terrível acidente no Atlântico.
E mesmo pensando em outra, ele quer tentar reacender o amor que já sentiu por Carla, o que dá um desconto para o que ele está fazendo com a jovem, pois no começo fiquei com um pouco de raiva, pensando no por que dele estar com alguém sem gostar dessa pessoa. 
Eles vão a uma antiga plantação de café, onde Virgílio quer comprar, ele tem a idéia de levar Clara para passar um tempo junto dela e tentar reacender as chamas da paixão, mas o destino é traiçoeiro, e esse passeio tem o resultado oposto na relação deles.
Aqui o fantasma do retrato ganha rosto e nome: Olympia, filha do dono do local na época do Brasil Imperial.
A relação que já não estava bem, acaba, e depois disso, Olympia não sai mais da cabeça de Virgílio, então ele resolve pesquisar um pouco sobre essa misteriosa moça e nisso ele conhece as adoráveis Helena Antunes, descendente da família de Olympia, e sua ajudante na universidade Lúcia.
E eles embarcam juntos para descobrirem mais sobre a jovem, e sobre um segredo de família.
O que irão descobrir?
O que aconteceu com ele neste acidente?
Porque ele está sonhando tanto com Olympia?
Para descobrir isto, e resposta para outras perguntas, vocês terão que ler esse livro maravilhoso.


Os personagens desse livro são um misto, alguns são ótimos, outros não, mas isso acontece em todo livro.

Virgílio, o protagonista, é ótimo, vou ser sincero: eu comecei o livro não indo muito com a cara dele, por causa do que ele estava fazendo com Clara, mas depois ele ganhou meu coração. Torci com ele, chorei com ele, e fiquei MUITO feliz com o final que Anaté deu a ele.

Olympia é uma mulher PERFEITA, a frente de seu tempo em todos os sentidos, a favor da abolição da escravidão, não tem medo de mostrar sua opinião e se impor perante aos ‘homens’ que a cercam:
"E vosmecê quer saber mesmo o que penso? Que se danem as convenções, Senhor Marquês! Se eu nunca me deitei com ninguém foi porque nunca me apaixonei, mas por que uma mulher tem que se dobrar às regras impostas pelos homens? Por que não podemos demonstrar o desejo que sentimos? Por que precisamos fingir que somos bonecas de porcelana sem alma que em vez de corpos temos receptáculos sagrados para filhos? A virgindade é uma tolice exigida pelo homem e nenhuma mulher deveria se curvar a ela..."

O livro também possui outros personagens MUITO interessantes, como a Dona Helena, que é engraçada demais, a sua ajudante Lúcia, e principalmente Severa, escrava da família Antunes, amiga e confidente de Olympia, que é a MULHER, minha gente:  
"O medo é um sentimento que faz agir ou que paralisa - afirmou limpando o ferimento antes de colocar uma nova camada do bálsamo. — Nunca sabemos qual vai ser a nossa reação, não é mesmo? A Inocência é um bom exemplo. O barão Antunes é justo e é bom. As condições de trabalho são humanas e eu tenho certeza de que muitos dos escravos que hoje estão na fazenda gostariam de ficar se pudessem escolher. O que não impediu que muitos fugissem.
— O que é fácil de entender...
— Oh! Não se engane... A maioria tem medo...
— Claro, medo de permanecer escravo a vida toda.
— Não, porque essa realidade eles conhecem e sabem como lidar com ela. Como Vossa Graça, eles têm medo do futuro... Esse desconhecido que encontramos todas as manhãs e de quem não temos nenhuma informação. Do futuro, do fim da escravidão, de um novo começo... O que vai ser dos escravos se um dia eles se tornarem mesmo livres? Os fazendeiros vão mantê-los ou abandoná-los como cavalos velhos sem utilidade? Eles... Nós vamos receber o apoio necessário para seguirmos em frente com dignidade? Estamos sendo preparados para esse futuro de trabalho pago com a educação e formação necessárias? Ou vamos apenas ser tirados de um dia para o outro da senzala, onde, apesar dos pesares, existe comida e teto, para sermos jogados na rua? Será que essa não vai ser uma nova forma de escravidão? Vamos estar presos de novo, mas à pobreza, à falta de estudo e consequentemente à ausência de futuro.
Virgílio parou e olhou profundamente para a escrava, ele nunca havia pensado nisso. Para
Virgílio a luta pela liberdade era a única coisa necessária e que o resto viria com o tempo, mas ao se lembrar das diferenças entre as populações negras e brancas do Brasil atual, das dificuldades que os negros encontravam ainda no século XXI, ele sentiu o peso da inconsequência e da falta de cuidado nessa delicada ponte entre a escravidão e a liberdade e um calafrio percorreu a sua espinha. Virgílio percebeu que o muito que havia sido feito na realidade ainda tinha sido pouco.
Severa não tinha a menor ideia, mas na sua sabedoria ela estava descrevendo o futuro, um futuro que ainda exige muito sacrifício e que mantém os negros em grilhões invisíveis e muito mais difíceis de serem destruídos."

O livro é MARAVILHOSO demais, serio, me envolvi tanto com a história que cheguei a virar de um dia para o outro.
A história não é só um romance com viagens no tempo, mas também uma história sobre preconceitos, onde muitos preferiam pensar só em si mesmo e no dinheiro do que nos outros, e também uma verdadeira aula de história sobre o nosso ‘Brasilzão’.

Nota: 5x5

QUOTES

"Ao olhar nos olhos escuros e profundos de Virgílio e sentir a sua boca contra a sua, ela soube que nada mais poderia separá-los.
Nem mesmo a sua irmã.
Nem mesmo a morte.
Nem mesmo o tempo."

"Deu um novo passo em direção ao quadro e quis mais do que tudo no mundo que aquela
jovem estivesse lá ao seu lado e não em uma tela plana formada por um emaranhado de traços e cores. Sentiu raiva, decepção, frustração e algo novo que o dominava por inteiro queimarem no seu peito e naquele momento ele soube que estava perdido de um jeito irremediável.
Virgílio caiu de joelhos, cobriu o rosto com as mãos e se rendeu à evidência. Ele não poderia, não queria, não suportaria mais resistir à voz que gritava em alto e bom som que ele estava apaixonado.
Apaixonado por um fantasma..."

"O estranho vazio crescia no seu peito. Uma sensação tão misteriosa quanto a lua que
iluminava a noite, mas que mantinha o seu lado sombrio longe dos olhares curiosos.
Há um ano, logo depois do acidente, ele sentiu essa presença se apoderar dele como um vírus poderoso o contaminando com pedaços que não se completavam... um navio... palmeiras... uma moldura... escravos... sombrinhas... os mais belos olhos azuis..."

"— Não se culpe, não é possível exigir das pessoas mais do que elas podem nos dar. Clarra é uma moça linda, mas vazia, superficial... Quem sabe quando a beleza a deixar ela vai se concentrar no que realmente importa?
— Espero que não vá ser muito tarde... — afirmou Virgílio..."

"— Tempestade?! Hummm...
— O que foi, Lúcia?
— Um navio, uma travessia do Atlântico, uma tempestade... De onde vocês embarcaram?
— Por que quer saber disso, Lúcia? — questionou Virgílio com uma ruga de impaciência na testa antes de pensar um pouco e responder. — Saímos de Miami para um cruzeiro de quinze dias em direção de Marselha.
— Houve mudança na rota?
— Sim, acho que isso foi necessário. Eu não me recordo muito bem, mas o capitão me disse que precisamos dar uma volta para escapar das ondas gigantes. Isso prolongou a viagem por alguns 66 dias.
— Hummmm... Você se lembra por onde o veleiro passou?
— Sinceramente, não... — Mas por que não nos diz no que está pensando, Lúcia?
— Nos fatos estranhos que acontecem desde sempre entre o continente americano e a Europa, alguns dos mais incríveis foram registrados no Triângulo das Bermudas: navios e aviões que sumiram com toda a tripulação sem deixar vestígios."

"O que interessava Virgílio parecia estar totalmente fora do alcance dos seus dedos. Mesmo que uma velha carta dentro de uma caixa de madeira pudesse ser a luz que iria tirá-lo do abismo em que se encontrava há tanto tempo, que ele não se lembrava mais quando as trevas tinham se apoderado dele carregando-o para esse lugar isolado e perigoso onde havia apenas sombras..."

"— É realmente uma obra formidável! — exclamou Tito colocando um avental. — Veja a delicadeza dos traços e a leveza com a qual os pincéis encheram de cores, luz e sombras cada centímetro da tela.
— Sombras?
— Sem as sombras não poderíamos apreciar ainda mais a luz. Observe esse raio de sol que entra pela janela iluminando o rosto da moça sentada. Toda a composição do desenho foi feita para colocar a outra jovem em destaque: é Olívia quem está de pé, ela usa joias mais exuberantes, o penteado é mais sofisticado, a pose é mais trabalhada, mas quando estamos diante do quadro só vemos Olympia. O artista entendeu os desejos das duas irmãs: uma queria aparecer e a outra pretendia ficar escondida, mas ele foi hábil em trazer a luz para o rosto quase todo encoberto pelo leque, tudo em volta ficou perdido nas sombras desse olhar poderoso que nos hipnotiza com uma força quase mágica..."

"— O partido que luta para manter os escravos o maior tempo possível e do qual o marquês é um dos homens fortes. Um "conservador", um homem fora do seu tempo, estúpido, egoísta, que riu quando eu lhe disse que a escravidão estava com os dias contados...
— Vosmecê não pode culpá-lo por defender os interesses dele...
— Como pode defendê-lo? Ele é um escravocrata, um homem que usa outros homens como bem entende, que compra trabalhadores, ele não vale nada apesar da riqueza e do título que tem.
Como eu poderia mostrar para ele e para os outros que isso é um erro, Severa?
— Não pode, alguns erros precisam ser vividos, cometidos, sofridos até o fim, só podemos
esperar que a luz do entendimento brilhe e encontre o seu caminho em direção da liberdade. —
Severa juntou as mãos em uma prece. — E se esse direito nos for concedido por um mulher isso
seria uma vitória dupla. Afinal, de uma certa maneira todas as mulheres são escravas: da beleza, da juventude, da sociedade, das regras, do casamento..."

"Ele me prometeu que seria meu e que eu seria dele e de mais ninguém e que nada poderia nos separar. Nem a morte, nem o tempo".

"— Infelizmente, Severa... Se outros nobres pensassem como eu teríamos acabado com esse
sofrimento há muito tempo.
— Mas estamos no caminho, sinhazinha, o Império proibiu o tráfico de escravos em 1850..."

"— O tempo é caprichoso, minha filha, e ele gosta de nos surpreender."

"— As histórias que não puderam ser vividas são as que merecem mais ser lembradas porque elas vão permanecer uma incógnita com um eterno "se"..."

"— A escravidão pode acabar um dia, e ela vai eu tenho certeza, mas as mulheres — Ela
 levantou as mãos para o céu pedindo uma graça. — infelizmente vão continuar sendo apenas bonecas à disposição dos homens.
...
— A senhorita me perdoe se por um momento eu a fiz pensar que as mulheres são apenas
"bonecas à disposição dos homens". — Ele colocou uma mão no peito e se inclinou levemente pedindo desculpas. — Não, elas não são apenas "bonecas" e também não deveriam estar à nossa disposição. As mulheres têm um papel importante na nossa sociedade e os homens que as consideram inferiores não devem ser chamados de homens...
— E como o senhor considera as mulheres?
— Inteligentes, fortes, lutadoras, intrépidas, criativas, independentes...
— Independentes?
Olympia riu.
— Uma mulher não pode ir na esquina sem companhia... Eu só estou aqui com o senhor porque Severa está de olho na minha irmã e ela sabe que ninguém vem à biblioteca...
Virgílio sorriu discretamente e se aproximou como se a informação fosse uma espécie de autorização discreta.
— Hoje, mas no futuro isso vai mudar...
— O senhor acredita mesmo?
— Totalmente.
...
— E como seria esse futuro?
— As mulheres vão poder trabalhar, votar, dirigir, viajar, ter filhos sozinhas, elas vão ter a
liberdade de amar quem, quando e como elas quiserem..."


"— Homens reais têm defeitos de verdade e os piores deles não podem ser resumidos ao orgulho."

"Mas não se deixe enganar: nem todas as fugas e muito menos a liberdade são tão evidentes quanto parecem..."


"...apesar do que dizem os homens, como todas as mulheres eu penso com o cérebro..."


"— Eu não poderia imaginar nada tão criativo, romântico ou irreal. Vosme... Você parece um sonho, um sonho que sonhei inúmeras vezes sem ter noção de que estava dormindo, foi vosm... você que me tirou da minha hibernação, Virgílio."

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