Terminei de Ler: A Bela e a Fera

A Bela e a Fera
Autoras: Madame de Beaumont e Madame de Villeneuve
Editora: Zahar
Páginas: 240
Capa Dura
A versão original do clássico que inspirou o novo filme da Disney, estrelado por Emma Watson

Adaptado, filmado e encenado inúmeras vezes, o enredo de A Bela e a Fera vai muito além da jovem obrigada a casar com uma horrenda Fera que no final se revela um lindo príncipe preso sob um feitiço. Nessa edição bolso de luxo da coleção Clássicos Zahar você encontra reunidas duas variantes da história.

A versão clássica, escrita por Madame de Beaumont em 1756, vem embalando gerações e inspirou quase todos os filmes, peças, composições e adaptações que hoje conhecemos. A versão original, que Madame de Villeneuve publicara em 1740, é de uma riqueza espantosa, que entre outras coisas traz as histórias pregressas da Fera e da Bela e dá voz ao monstro para que ele mesmo narre seu destino.

Toda em cores e ilustrada, essa edição conta com ótima tradução do premiado André Telles, uma apresentação reveladora e instigante assinada por Rodrigo Lacerda e cronologia das autoras. A versão impressa apresenta ainda capa dura e acabamento de luxo.


Bem como podem ver na sinopse, o livro contém duas versões do Clássico, A Bela e a Fera, o de Madame de Beaumont é a que mais conhecem, porém, não é a original, a original é a de Madame Villeneuve, ela é bem maior que a primeira versão, com sucintas diferenças, aqui irei resenhar ambas as versões.
Antes da resenha propriamente dita, tenho que salientar, muitos falando que a versão de Madame de Beaumont é um resumo da versão original de Madame Villeneuve, mas essas pessoas estão enganadas e me fazem até duvidar de se leram mesmo as duas versões. Sim a versão de Beaumont é mais resumida, mas não é SÓ isso, ela tem bastante diferenças, inclusive no final do conto, que não tem NADA dele.
Aqui vai algumas diferenças entre as duas versões:
1) 12 filhos na versão original e não 6 como na outra;
2) O pai de Bela pensando em ficar no Castelo de Fera ao não ver ninguém no mesmo;
3) O pai de Bela pensa em voltar ao Castelo ao se ver imobilizado de fazer o sacrifício necessário pelo roubo da rosa, quando está indo para casa, mas não consegue voltar, pois o cavalo dele está encantado, nenhum desses itens acontece na versão de Beaumont;
4) Bela passa 2 meses na casa do Pai quando o vai visitar, com direito a chatice (brigas por Bela entre os carinhas) com os novos amigos da família, na versão de Madame Beaumont ela NÃO passa nem duas semanas e não temos os novos amigos da família. 
5) Existe uma profecia envolvendo Bela salvar seus familiares na versão original, na outra não existe.
6) O final é bem diferente, descobrimos como o Príncipe se transforma em Fera, sobre o passado de Bela, entre outras inúmeras coisas importantes e que não tem no “resumo” da história.


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A Bela e a Fera por Madame de Beaumont

Versão do clássico que todos conhecem, Bela tem um pai comerciante e 5 irmãos, 3 homens e duas mulheres, as irmãs são mesquinhas e metidas e só se importam com a riqueza, ao contrário de Bela, que é bondosa ao extremo e não se importa com riqueza.
Seu pai fica pobre e assim eles se mudam para uma fazenda da família, única propriedade que lhes resta, passado um tempo o pai viaja para ver um barco com propriedades suas, suas duas filhas mesquinhas pedem vestidos como presente, mas Bela, pede apenas uma rosa.

Chegando no porto onde o barco está, o sr descobre que o barco e sua mercadoria foi apreendido e ele não consegue recuperar o conteúdo.
Voltando para casa se depara com um lindo castelo aparentemente desocupado, ele passa a noite lá, e na manhã seguinte passeando pelo jardim do castelo descobre uma linda roseira, ao colher uma para sua filha Bela, a terrível Fera aparece, e por ter praticado o ato de roubo, dá duas opções ao senhor, ou morre ou dá uma de suas filhas.

Ao voltar para casa, o senhor conta a seus filhos o ocorrido, e Bela se prontifica a se sacrificar pelo pai.
Dito e feito, Bela vai para o Castelo da Fera, mas chegando lá descobre que a Fera não quer matá-la e sim que ela seja sua companheira, Bela aceita e passa uns meses lá, meses esses muito felizes na companhia da Fera, que sempre a vê jantando e no final de cada jantar, à pergunta, se Bela aceita ser sua esposa, mas Bela sempre rejeita.

Passado esse tempo, Bela visita a família, e após 8 dias têm que voltar para o Castelo da Fera, mas suas irmãs com um plano maligno a faz passar mais uns dias lá.
Após mais 2 dias, Bela tem um terrível sonho, a Fera está morrendo de desgosto pois ela mão volta como prometido, sendo assim Bela se prontifica a voltar, e percebe que ama a Fera mesmo com sua feiura, ao encontrar com a Fera e dizer que a ama, a Fera se transforma em um belo Príncipe, e eles se casam, vivendo felizes para sempre.


A narrativa do conto é bem boa, com fácil leitura e ágil, e ele é pequeno, única coisa ruim, é que não conhecemos muito dos personagens, o que se não fosse as adaptações do mesmo, não iriamos simpatizar com os personagens.

QUOTES

"De uma hora para outra, o comerciante perdeu todos os seus bens, só lhe restando uma pequena casa no campo, bem distante da cidade. Chorando, ele comunicou aos filhos a necessidade de se mudarem para lá e de viverem do trabalho agrícola. As duas primogênitas declararam que não cogitavam deixar a cidade e que conheciam rapazes que adorariam desposá-las, mesmo após a ruína da família. Coitadas, estavam enganadas: seus amigos não olharam mais para elas depois que elas ficaram pobres."

"– A senhorita é muito boa – disse-lhe a Fera –, e sou-lhe muito grato. O senhor, velho, vá embora ao amanhecer e nunca mais ponha os pés aqui. Boa noite, Bela.– Ai, minha filha! – disse o comerciante, beijando Bela. – Que suplício! Confie em mim, deixe-me ficar.
– Não, meu pai – reafirmou Bela. – Volte para casa e me deixe sob a guarda de Deus, talvez ele tenha piedade de mim.
Foram se deitar achando que não pregariam o olho, mas, assim que se recolheram, dormiram. Durante seu sono, Bela sonhou com uma dama lhe dizendo: – Estou contente com seu bom coração, Bela. Sua boa ação, oferecendo a própria vida para salvar a de seu pai, não ficará sem recompensa."

"– Permite que eu a veja cear, srta. Bela? – indagou o monstro.
– O senhor é o dono da casa – respondeu Bela, tremendo.
– Não – replicou a Fera –, a única soberana aqui é a senhorita. Se eu estiver sendo maçante, avise-me que vou embora. Seja franca, não é verdade que me acha muito feio?
– Ah, isso eu não posso negar – respondeu Bela –, porque não sei mentir; mas acho o senhor muito bom.– Tem razão – disse o monstro. – Mas além de ser feio, não tenho inteligência; bem sei que não passo de um animal.
– Ninguém é um animal quando julga não ter inteligência – replicou Bela. – Um tolo jamais diria isso."

"– Coma então, srta. Bela – disse o monstro –, e procure não se aborrecer em sua casa, pois tudo aqui é seu e eu ficaria triste se não estivesse satisfeita.
– O senhor é mesmo muito bondoso – disse Bela. – Tanta generosidade me comove. Quando penso nisso, o senhor não me parece mais tão feio.
– Oh, senhorita, é verdade! – respondeu a Fera. – Tenho o coração bom, mas sou um monstro.
– Há muitos homens mais monstros que o senhor – disse Bela –, e prefiro o senhor com sua feiura àqueles que, sob a pele humana, escondem um coração falso, corrompido e ingrato.
– Se eu tivesse inteligência – replicou a Fera –, eu lhe faria um grande elogio de agradecimento, mas sou estúpido e tudo que posso dizer é que lhe sou muito grato."

"Na décima noite que passou na casa do pai, sonhou que estava no jardim do palácio e viu a Fera deitada na relva, agonizante, censurando sua ingratidão. Acordou assustada e chorando.
'Que maldade a minha', disse consigo mesma, 'fazer sofrer um animal tão generoso para mim! É culpa sua se é tão feio? E o que importa se carece de inteligência? Ele é bom, isso vale mais que todo o resto. Por que me recusei a me casar com ele? Eu seria muito mais feliz com ele do que minhas irmãs com seus maridos. Não é nem a beleza nem a inteligência do marido que faz a mulher feliz, são a bondade do caráter e a virtude, e a Fera possui todas essas boas qualidades. Não sinto amor por ela, mas estima, amizade e reconhecimento. Vamos, não posso fazê-la infeliz! Eu me culparia a vida inteira pela minha ingratidão.'"


"– Bela – disse-lhe a dama, que na verdade era uma grande fada –, venha receber o prêmio por ter escolhido o lado certo, preferindo a virtude à beleza e à inteligência. Você merece encontrar todas essas qualidades reunidas em uma só pessoa. Será uma grande rainha e espero que o trono não destrua suas virtudes. Quanto a essas senhoritas – disse a fada, voltando-se para as duas irmãs de Bela –, conheço suas almas e toda a sua malícia. Quero que se transformem em estátuas, mas conservem a razão sob a pedra que as envolve. Elas permanecerão à porta do palácio de sua irmã e seu único castigo será testemunharem sua felicidade. Só poderão recuperar sua forma original depois que reconhecerem seus erros. Mas algo me diz que continuarão estátuas para sempre. Tudo pode ser corrigido – orgulho, raiva, gula e preguiça –, mas a conversão de um coração mau e invejoso é uma espécie de milagre."
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A Bela e a Fera por Madame Villeneuve

Versão ORIGINAL do conto, muitas coisas são diferentes aqui, afinal temos mais páginas, a família de Bela aqui é maior, são 11 irmãos que ela tem, 6 homens e 5 mulheres.

O infortúnio ocorrido com a família começa com um incêndio em sua mansão na cidade, após isso a família perde tudo, e a vítima de zombaria dos ditos amigos deles, com isso se mudam para única propriedade que lhes resta, situada numa remota floresta.
Lá TODOS os 12 filhos trabalham, mas a que mais mostra boa vontade é a casula, fazendo de tudo para que seus irmãos ficassem felizes, mas é claro que sobre suas irmãs isso surtiu o efeito contrário, fazendo com que ficassem com inveja.

Após 2 anos, aparece uma oportunidade de mudarem de vida, um dos navios que tinham sumido apareceu num porto do país e o velho comerciante vai averiguar.
O acaso está contra o senhor e sua família, pois chegando ao porto, descobre que as mercadorias do navio foram vendidas, então ele ruma de volta à casa.
No caminho ao entrar tarde da noite numa floresta, com frio e com o caminho escuro demais, resolve dormir na floresta mesmo.

No outro dia, se vê perdido, pois nevou muito a noite e o caminho foi soterrado (!?) pela neve, então ele caminha sem direção e se depara com um belo castelo, passa uma noite agradável lá, comendo do melhor, e no outro dia ao não se deparar com seu (ou sua) anfitrião (ã) resolve dar uma olhada no castelo e começa a pensar que tirou a sorte grande e que ele e sua família poderá viver no castelo.
Andando pelo jardim se depara com lindas rosas e lembra do pedido de Bela, ao colher uma rosa, a Fera, dona do Castelo, aparece, acusando o de roubo, e ao saber de sua promessa a SUA filha, propõe que ele dê uma delas a ele ou ele próprio.
O velho comerciante impossibilitado de achar outra saída aceita, no outro dia vai embora com um cavalo dado pela Fera, no caminho para casa, ele decide voltar, pois não é capaz de sacrificar uma filha, mas não consegue fazer que o cavalo volte o caminho.

Ao chegar em casa conta tudo a família, suas filhas culpam Bela, e para reparar seu erro, Bela aceita de bom grado ir ao Castelo da Fera, após muito insistir, o pai aceita, não antes de lembrar de uma antiga profecia, que dizia que a casula da família iria salvar eles.
Tudo resolvido, Bela e o pai rumam ao castelo da Fera, mas o caminho, o pai tenta fazer, em vão, a filha mudar de ideia. 
Ao chegar ao Castelo da Fera, a mesma os presenteia com riquezas exorbitantes para o velho comerciante levar à família (olha que bondade!!!), ele aceita o presente, mas decide manter segredo da família, para as filhas não gastarem o dinheiro todo e nem quererem se mudar, pois assim ficaria no único lugar que encontrou felicidade: o campo!

Bela se sente muito bem, apesar do medo no primeiro momento, no castelo da Fera, ela passa seus dias se divertindo descobrindo as maravilhas do Castelo enorme, dos livros que encontra lá e assistindo peças de teatro (o Castelo tem uma magia estranha, que a leva a camarotes de teatros, porém ela não consegue conversar com ninguém nos teatros, só ouvi-los), ou cenas do mundo ao redor (como uma das revoltas dos janízaros) a noite ela janta com a Fera, que sempre a pergunta se quer se deitar com ela no mesmo leito (isso mesmo DEITAR, Fera safadinha!).
Após um tempo, Bela se sente melancólica com essa rotina, que já está se tornando um estorvo ao se repetir sempre, fora que ela sente uma terrível saudade da família, ela começa a se sentir mal, e ao ser perguntada se tem alguma coisa errada pela Fera, ela conta toda a verdade à ela, que sente saudades da família.
Após insistir um pouco com a Fera, que estava pesaroso com a possibilidade de Bela não querer mais morar com sigo, e de prometer voltar, a Fera aceita o pedido da moça.

Ao chegar em casa, a família de Bela, incluindo as irmãs (sim pessoal, estão ouvindo direito), se sentem muito felizes com a aparição dela, o pai mais ainda, pois pensa que a filha está voltando definitivamente para casa, mas Bela para não o machucar conta que está lá só para uma visita.
As irmãs iram casar em breve e com isso o pai de Bela à pergunta o porquê dela não casar com a Fera, que aos seus olhos apesar de extremamente feio é muito gentil, mas a moça ainda não vê vantagem nisso, ainda mais se comparar a Fera com o Desconhecido (o jovem que sempre sonha).
Bela passa 2 meses MUITO chatos com seus familiares e novos conhecidos (que se apaixonam por ela, fazendo com que suas irmãs a invejam), e ao passar esses meses se vê impossibilitada de retornar à Fera, ela sempre acorda com vontade de ir embora, mas no fim do dia, ela não consegue fazer o que precisa para ir embora.
Mas isso muda ao sonhar que a Fera está morrendo, ela encontra forças para ir embora e ao chegar ao Castelo da Fera não à encontra, no rim do dia, após jantar e esperar pela Fera em vão, resolve dar uma volta pelo jardim do castelo, e ao parar descansar em determinado lugar percebe que este lugar é o mesmo do sonho.
Então ela parte à busca da Fera, e a encontra quase morta, ao fazer a Fera acordar jura que irá se casar com ele.
Eles então vão dormir juntos, e ao acordar e procurar pelo esposo percebe que ele se transformou em um pelo rapaz, ela tenta fazê-lo acordar em vão, e passado um tempo é surpreendida por serviçais nos castelo, um deles anuncia a chegada de visitas, e quando elas chegam, Bela percebe que uma delas é a Dama de seus sonhos. Mas o que a Dama quer? E as outras pessoas que estão com ela?


No meio de tudo isso, a noite Bela sonha com um lindo jovem, ela se apaixona por ele, e pensa que ele é um cativo no castelo, fato esse que se torna mais verdadeiro pois ele é cheio de quadros do jovem, mas quem será esse jovem?
Nos sonhos o jovem começa a ficar impaciente com Bela que não larga a Fera, pois é grata com a mesma e o rapaz começa a querer matar a Fera, será que ele conseguirá? Mas se sim como? Afinal ele é alguém em um sonho.
Bela frequentemente também sonha com uma bela Dama, que a adverte para não se importar com a aparência, pois as vezes ela nos engana. Essa moça também fala que ela será feliz. Será isso possível? E quem é a Dama?


Apesar de tudo, não tem como não gostar da Fera, eu queria que ele participasse mais das conversas com Bela enquanto Fera, mas por um motivo que não irei contar, ele não pode, mas mesmo assim não tem como não se apaixonar por ele e sofrer com sua quase morte.
Só me senti um pouco incomodado com a bondade da Fera para com os familiares de Bela, mas quando descobrimos o porquê disso, esse incômodo diminuiu.
Amei descobrir sobre o passado dele, que ele foi criado só pela mãe e por uma amiga fada dela, que a mãe deve que sair em guerra e assim deixou ele aos cuidados da Fada por muitos anos, que ela, a Fada, em um momento propôs uma terrível coisa à ele, mas quem é essa fada e o que ela propôs não irei falar, como também não irei falar como ele se tornou a Fera, pois se não irei estragar o encanto de ler o clássico.


Bela é interessante como a Fera, ela é bondosa com todos, incluindo suas irmãs que são extremamente chatas, o que não vou mentir, me irritou, mas por ser mocinha de contos de fadas dou um desconto a sua bondade.
É bem interessante quando descobrimos sobre o passado dela, que guarda um grande segredo (que é um pouco clichê, mas que não me incomodou), não irei falar mais nada, pois não quero estragar o prazer da leitura.


De outros personagens, o único que ganha mais destaque é o pai de Bela e a Fada, que também são ótimo personagens, e que me fizeram gostar de cara deles. 



O livro tem uma leitura fluida, apesar de ser com uma linguagem mais lírica do que a outra versão, temos um final melhor, em que é mais explicado sobre a Fera e tals, isso é bom, e o final apesar de ser clichê e com algumas situações que me fizeram rir por serem bem ridícula, me agradou, afinal não vou mentir, adoro um conto de fadas.  


QUOTES 

"Restou-lhe apenas uma modesta casa no campo, situada num local ermo, a mais de cem léguas da cidade, aonde costumava ir para descansar. Obrigado a procurar um refúgio longe do tumulto e do escândalo, foi para lá que levou a família, desesperada face àquela reviravolta. As mais apreensivas com a vida que as esperava na triste solidão eram as filhas desse desafortunado homem. Durante certo tempo, haviam se gabado de que, quando os planos de seu pai fossem conhecidos, os pretendentes que as haviam cortejado se julgariam com sorte se elas aquiescessem em ouvi-los.
Imaginando que todos cobiçariam a honra de sua preferência, pensavam que bastava querer para arranjarem marido. Não permaneceram muito tempo nessa doce ilusão. Afinal, haviam perdido seu mais belo atrativo junto com a súbita bancarrota do pai. A época em que podiam escolher ficara para trás. A fila de seus adoradores evaporou junto com sua fortuna. A força de seus encantos não foi capaz de enredar nenhum deles."

"Os amigos não foram mais indulgentes do que os aspirantes à sua mão. Mal elas se viram na miséria, todos, sem exceção, pararam de cumprimentá-las, levando a crueldade a ponto de acusá-las pelo desastre que acabava de acontecer. Aqueles com quem o pai havia sido mais generoso foram os primeiros a caluniá-lo, espalhando que todos os infortúnios eram fruto de sua incompetência, de suas liberalidades e das despesas mirabolantes que fizera e autorizara os filhos a fazer."

"Inconsoláveis em seu infortúnio, elas julgavam humilhante, vil e até mesmo ridícula a decisão da irmã caçula de viver alegremente naquela triste condição em que a Providência as lançara.
– Como ela é feliz! – dizia a mais velha. – Foi feita para as ocupações grosseiras. Com pendores tão medíocres, co-mo poderia esperar ser alguém na vida? 
Tais observações eram injustas. A jovem tinha muito mais encantos para brilhar em sociedade do que qualquer uma delas. Uma beleza perfeita adornava sua juventude, seu humor inalterável cativava a todos. Seu coração, generoso e misericordioso, guiava todos os seus atos e palavras. Tão sensível como as irmãs às atribulações vividas por sua família, porém com uma força de vontade incomum numa adolescente, soube esconder a dor e colocar-se acima da adversidade. Tamanha determinação foi tachada de insensibilidade. Estava claro para todos, entretanto, que essa opinião era ditada pela inveja."

"Conquistando a admiração das pessoas sensíveis pelo que realmente era, a menina logo se tornou o centro das atenções. Cheia de encantos, mas distinguindo-se igualmente pelo mérito, era tão formosa que recebeu o apelido de Bela. Assim chamada por todo mundo, o que mais era preciso para aumentar a inveja e o ódio das irmãs? Sua formosura, bem como a estima geral que lhe dedicavam, poderia tê-la feito pensar que um futuro melhor que o de suas irmãs a esperava, porém, preocupada exclusivamente com as desventuras do pai, em vez de fazer qualquer esforço para adiar sua partida de uma cidade onde vivera na abastança, fizera de tudo para apressá-la. Na solidão, demonstrou a mesma tranquilidade de quando vivia no tumulto da cidade. A fim de espairecer, em suas horas de descanso enfeitava a cabeça com flores e, tal como uma pastora de outrora, esquecendo no campo tudo de que gozara em meio à opulência, cultivava os prazeres inocentes do dia a dia."

"– Está bem, querido pai! – ela assentiu. – Uma vez que ordena, gostaria que me trouxesse uma rosa. Adoro essa flor: depois que viemos para este desterro, nunca mais vi uma que fosse."

"– Disponho-me a perdoá-lo, mas com uma condição: que me entregue uma de suas filhas. Preciso de alguém para reparar esse erro.
– Misericórdia! O que me pede? – não acreditava o comerciante. – Como prometer uma coisa assim? Quem poderia ser tão desumano a ponto de sacrificar a própria filha para salvar a pele, que pretexto eu alegaria para trazê-la até aqui?
– Não deve haver pretexto – decretou a Fera. – A filha que porventura o acompanhe terá de vir espontaneamente,caso contrário não quero. Verifique se alguma delas é suficientemente corajosa, e o ama o bastante, para sacrificar a vida em troca da sua. Você parece um homem honesto: dê-me sua palavra de que voltará dentro de um mês. Se conseguir persuadir uma delas a acompanhá-lo, ela permanecerá em meus domínios e você retornará. Se não conseguir, prometa retornar sozinho e despedir-se delas para sempre, pois pertencerá a mim. Nem pense – prosseguiu o monstro, rangendo os dentes – em aceitar minha oferta e depois fugir. Advirto-o de que, se cogitasse tal manobra, eu sairia no seu encalço e, mesmo que cem mil homens se apresentassem para defendê-lo, eu o destruiria junto com sua família."

"– Não é justo – elas disseram – perecermos de maneira atroz por um erro do qual somos inocentes. Isso significaria nos transformar em vítimas de Bela, por quem estaríamos dispostas a nos sacrificar; mas o dever não exige tais sacrifícios de nós. Eis o resultado da moderação e das infindáveis lições de moral dessa infeliz. Por que não pediu, como nós, roupas e joias? Se não as obtivemos, pelo menos pedi-las não custou nada e não temos motivos para nos censurar por ter posto a vida de nosso pai em risco com pedidos estapafúrdios. Se ela não tivesse querido aparecer dando uma de desinteressada, como é em tudo mais afortunada do que nós nosso pai sem dúvida teria arranjado dinheiro suficiente para satisfazê-la. Mas, por um capricho seu, tornou-se a causa de todos os nossos infortúnios. É ela quem os atrai e é sobre nós que pretende despejá-los. Não cairemos nessa. Ela os provocou, ela que os remedeie."

"– Sou a culpada por esse infortúnio, sou eu que devo repará-lo. Admito que seria injusto sofrerem por minha causa. Ai de mim, era todavia um desejo tão inocente! Como imaginar que a vontade de ter uma rosa durante o verão seria punida com tal suplício? Mas o erro está feito: inocente ou culpada, é justo que eu o expie. Não se pode imputá-lo a mais ninguém. Arriscarei minha vida – ela prosseguiu num tom firme – para livrar meu pai de seu fatal compromisso. Irei encontrar a Fera, feliz em morrer para conservar a vida daquele de quem a recebi e fazer calar as maledicências. Não temam, nada irá me dissuadir disso. Mas, por misericórdia, durante esse mês deem-me o prazer de não ouvir mais suas recriminações.
Tanta firmeza numa adolescente deixou-as boquiabertas. Já seus irmãos, que a amavam muito, ficaram perturbados com sua decisão. Ela os amava e eles sentiram a perda. Tratava-se, contudo, de salvar a vida de um pai: esse motivo louvável calou-os e, cientes de que era uma coisa decidida, em vez de pensarem em lutar contra propósito tão generoso, contentaram-se em dar vazão às suas lágrimas e dispensar à irmã os elogios que merecia sua nobre resolução, tanto mais nobre na medida em que, com apenas dezesseis anos, tinha o direito de chorar uma vida que estava prestes a sacrificar de maneira tão cruel."

"Após escolher os trajes que julgou mais apropriados – não à situação atual de sua família, mas proporcionais às riquezas e à generosidade da Fera que lhe dava aqueles presentes –, Bela abriu um armário cuja porta era de cristal de rocha com incrustações em ouro. Embora previsse encontrar um tesouro raro e precioso atrás daquela divisória, ela viu tantas pedras preciosas, e de todos os tipos, que não foi capaz de suportar seu brilho. Cumprindo as ordens da Fera, pegou irrefletidamente uma quantidade prodigiosa, que dividiu o melhor que pôde em cada um dos lotes que preparara.
Ao abrir o último armário, que não era outra coisa senão um cofre lotado de moedas de ouro, mudou de ideia.
– Penso – ela disse ao pai – que o melhor será esvaziar os baús e enchê-los com moedas. Dessa maneira, o senhor poderá distribuí-las aos seus filhos à medida que lhe aprouver, e não só não será obrigado a colocar ninguém a par do segredo, como suas riquezas permanecerão em suas mãos. O lucro que teria com as pedras, apesar de seu valor considerável, traria mil inconveniências. Para usufruir delas, o senhor seria obrigado a vendê-las e confiá-las a pessoas que só lhe dirigiriam olhos de inveja. Essa própria confiança talvez lhe pudesse ser fatal. Além disso, moedas de ouro, aceitas em toda parte, o deixarão ao abrigo de toda adversidade, facilitando a aquisição de terras, casas, móveis elegantes, adornos e joias."

"...O que acabava de se passar diminuía seu desespero e renovava sua confiança. Teria partido sem maiores preocupações, não fosse a crueldade da Fera, que voltou a lembrá-lo de que ele estava proibido de voltar ao palácio e que deveria dizer adeus para sempre à filha. Não existe mal sem remédio, a não ser a morte. O bom homem não ficou nem um pouco impressionado com aquela ordem. Esperava que ela não fosse irrevogável e essa perspectiva o levou a se despedir de seu anfitrião bastante satisfeito."

"Durante o sono, sonhou que estava na beira de um canal comprido a perder de vista, cujas margens eram ornadas com dois renques de laranjeiras e mirtos floridos de uma altura prodigiosa, onde, acabrunhada com sua triste situação, ela deplorava o infortúnio que a condenava a passar seus dias naquele lugar, sem esperanças de escapar.
Um formoso rapaz, tal qual nos descrevem o deus do Amor, com uma voz que falava direto ao coração, consolou-a:
– Não acredite que será tão infeliz como parece à primeira vista, Bela. É neste lugar que receberá a recompensa que lhe recusaram em toda parte. Use sua perspicácia para me desvencilhar do aspecto que me camufla. Quando me vir, avalie se minha companhia é desprezível, se não é preferível à de uma família que não a merece. Deseje; todos os seus desejos serão atendidos. Amo-a profundamente: só você pode fazer minha felicidade, sendo igualmente feliz. Nunca me negue isto. Pairando tão acima de todas as outras mulheres, tanto por sua natureza como por sua beleza, seremos plenamente felizes juntos."

"Depois desse primeiro sonho, sonhou que estava num recinto magnífico, na companhia de uma Dama, cujo ar majestoso e beleza surpreendente lhe inspiraram um profundo respeito. Num tom afetuoso, a Dama aconselhou-a:
– Encantadora Bela, não lastime o que acaba de deixar para trás. Um destino mais ilustre a espera: se quiser merecê-lo, não se deixe seduzir pelas aparências.Seu sono durou mais de cinco horas, durante as quais ela viu o rapaz em cem lugares diferentes e de cem maneiras diferentes."

"Depois do jantar, como sempre fazia, a Fera veio lhe perguntar o que fizera durante o dia. Bela contou-lhe fielmente todos os seus divertimentos e disse ter ido à Comédia.
– A senhorita gostou? – perguntou-lhe o pesado animal. – Deseje tudo que lhe agrade e terá: a
senhorita é muito formosa.ela sorriu intimamente daquela franqueza rude. O que não a fez sorrir foi a pergunta de sempre, e aquele 'A senhorita aceita dividir o leito comigo?” acabou com seu bom humor. Respondeu simplesmente não, porém dessa vez a docilidade da Fera não a serenou. Na verdade, Bela ficou alarmada. “Qual será o desfecho de tudo isso?' ruminava. 'A pergunta que o monstro me faz todas as vezes, se quero me deitar com ele, prova que ele persevera em seu amor. Seus presentes confirmam isso. Contudo, embora ele não insista em seus pedidos, e não demonstre nenhum ressentimento face às minhas recusas, quem me garante que não irá perder a paciência e minha morte não será o preço disso?'"

"Uma vida prazerosa assim deveria saciar-lhe todos os anseios. Mas tudo cansa, a maior felicidade se torna insípida quando é ininterrupta, quando deriva sempre da mesma fonte e nos vemos imunes ao medo e à esperança. Bela teve essa experiência."

"– Não posso me curvar a seus desejos – ele disse –, a menos que resolva nunca mais retornar ao palácio. É o único meio de me fazer sair. Pense no que deseja fazer. Os moradores deste lugar não têm poder suficiente para obrigá-la a voltar. Nada pode acontecer com você, apenas magoará a Fera. 
– Esqueceu-se – replicou Bela – de que ela falou que morreria se eu não cumprisse minha palavra…– Qual a importância disso? – perguntou o rapaz. – Seria alguma desgraça se a sua satisfação custasse a vida de um simples monstro? Qual a utilidade dele para o mundo? Quem perderia com a destruição de uma criatura que só aparece na Terra para causar horror à natureza inteira? – Ah! – exclamou Bela, quase fora de si. – Saiba que eu daria minha vida para conservar a dele e que esse monstro, que só é monstro na aparência, tem um caráter tão humano que não deve ser punido por uma deformidade para a qual não contribuiu em nada. Não posso pagar sua bondade com tão feia ingratidão!"

"– Você não deve tomar seus olhos como únicos conselheiros. Deixe-se guiar pela gratidão, como tanto lhe recomendam. Obedecendo aos impulsos que ela lhe inspira, asseguram-lhe que será feliz. É verdade que você recebe esses avisos em sonho. Mas esses sonhos se encadeiam e são frequentes demais para atribuí-los tão somente ao acaso. Eles lhe prometem grandes benefícios, o suficiente para que vença sua repugnância. Assim, quando a Fera lhe perguntar se você aceita dividir o leito com ela, aconselho-a a não recusar. Você admitiu ser ternamente amada. Tome as providências apropriadas para que sua união seja eterna. É mais vantajoso ter um marido de bom caráter que um cujo único mérito é a estampa bonita. Quantas moças não são obrigadas a desposar Feras ricas, porém mais feras que a Fera, que só o é pelo aspecto, e não pelos sentimentos e ações?
Bela concordou com todas essas razões. Mas tomar a decisão de contrair matrimônio com um monstro medonho, cujo intelecto era tão rude quanto o corpo, não estava em seus planos.

– Como aceitar um marido com quem não poderei entreter-me e cuja fealdade sequer é compensada por uma conversação agradável? – respondeu ao pai. – Não ter nada para me distrair e nem como fugir desse aborrecido convívio? Não poder desfrutar de um pouco de solidão? Resignar-me a ouvir cinco ou seis perguntas que dirão respeito ao meu apetite e à minha saúde? Ver essa conversa bizarra terminar com um 'Boa noite, Bela', refrão que meus papagaios sabem de cor e que repetem cem vezes por dia? Não está a meu alcance assumir tal compromisso, prefiro morrer subitamente a morrer um pouco a cada dia,de medo, sofrimento, desgosto e tédio. Nada fala a favor dessa Fera, a não ser a delicadeza que ela tem me fazendo apenas uma curta visita a cada vinte e quatro horas. Isso é o bastante para inspirar o amor?"


Nota: 4/5

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